Fusão ou confusão religiosa? |
Após dois dias de debates sem que se
chegasse a uma solução, cada líder colocava a culpa pelos conflitos nos
seguidores das outras religiões, o coach pede a palavra:
- O Islamismo e judaísmo contam com o
mesmo patriarca – Abraão-, Jesus era judeu, assim verifica-se que essas
religiões têm mais similaridades do que diferenças são caules do mesmo tronco.
A proposta para se acabar com as brigas seria promover a fusão das três
religiões e se criar uma única. Assim quem fosse católico, seria igualmente
muçulmano e judeu. O mesmo aconteceria para aqueles que professam às outras
duas religiões.
O ar de espanto tomou conta da sala,
mas o coach fingiu não ver e continuou.
-Para evitar brigas não haveria
divindade predominante, todas ficariam no mesmo plano espiritual, e o fiel
escolheria aquela que mais se identifica, ganhando de bonificação o apoio das divindades
das outras duas religiões. O modelo proposto além de ser forte espiritualmente,
certamente irá abalar a concorrência.
Não dando chances para os Guias
contestarem, seguiu adiante.
-Para evitar ciumeira em relação o nome
da nova religião, de modo ninguém achar que a palavra remete, mesmo que
inconscientemente, a fé das pessoas para uma das três religiões, deve-se
escolher uma palavra neutra. Como os seguidores do judaísmo, catolicismo e islã
estão espalhados por todos continentes, o nome da nova religião teria um apelo
mais global se utilizar uma palavra da língua inglesa. Assim proponho que ela seja
batizada com o nome de..., no segundo seguinte após ter dito a palavra batizada,
se tocou que ela remete ao catolicismo e os guias islamita e judeu olhavam feio
para ele, balançou a cabeça desconsolado, respirou fundo e resolveu recomeçar. Proponho que ela se chame The Religion e garanto
que em um ano será mais popular que a palavra selfie, que é bastante nova, mas que
todos conhecem e praticam, o mesmo deverá acontecer com o nome The Religion.
Para isto iremos elaborar um plano de marketing segmentado, com base perfil
religioso e hábitos culturais da população dos diversos mercados, o que,
naturalmente, evidencia a necessidade de se elaborar uma bíblia customizada.
Um incômodo silêncio tomou conta da
sala, os olhares de espanto e ceticismo partiram simultaneamente dos três
líderes espirituais, que pela primeira vez em dois dias concordavam com algo: o
coach era maluco, deveria ser sumariamente demitido e internado.
Sentindo que estava na iminência de ser
expulso, o coach continuou:
- De acordo com previsões com base em série
histórica, em 50 anos a igreja católica irá sumir do mapa, seu espaço será
ocupado pela evangélica. Caindo o número de adeptos, o faturamento diminui e o
Vaticano terá que vender seus bens para manter as igrejas e, no final, se a
debandada não for estancada, o que é pouco provável, terá que vender o próprio
Vaticano, que poderá ser comprado pela Evangélica.
-Os muçulmanos gozam de uma posição
confortável na Ásia e África, mas a religião não tem boa aceitação no mercado
europeu e americano. Para o Islã a fusão representaria um reposicionamento da
marca, melhorando a sua imagem num mercado com alto poder aquisitivo. Para os
judeus a fusão seria vantajosa porque acabaria ou pelo menos iria reduzir
sensivelmente o antissemitismo dos católicos, pois se isto vier acontecer,
estariam praticando auto antissemitismo. Se fusão proposta tivesse acontecido
há 500 anos, a Inquisição não teria ocorrido, pois todos os católicos, a
começar pelo Papa, morreriam na fogueira.
Os três se entreolharam com espanto,
mas o ar de incredulidade diminuiu um pouco. O líder católico perguntou como
poderia ser feita a fusão se os ritos, tradições, livros sagrados, guias
espirituais, tudo é diferente.
O coach informou que tinha elaborado
previamente um business and spiritual plan minimalista, contendo metas,
cronograma, modelo operacional, previsão de aumento da receita e redução das despesas
e critérios para participação dos lucros, visando não só viabilizar a fusão,
como também aumentar o número de adeptos da nova religião.
-Inicialmente seria feito uma
condensação e fusão das escrituras sagradas das três religiões. A nova bíblia
iria contemplar as melhores passagens do alcorão, do velho e novo testamento, mas
só conteria os trechos que apresentam mensagens explícitas e entendíveis, nada
daquelas herméticas que dá margem ao líder religioso interpretar de acordo com
as suas conveniências ou nível de loucura, causa principal das violências que
são cometidas em nome da religião.
- Todo blá blá e fatos repetitivos
seriam cortados, continuou, seria reduzido o número de profetas e apóstolos, passariam
de doze para três. O evangelho seria apenas o de São Mateus, que, parece, é o
mais apreciado. O número de santos seria reduzido para doze, escolhidos através
de votação pela internet, hoje são centenas e grande parte dos fieis não sabe
qual é o foco milagreiro de cada um. Eles seriam padroeiros das pessoas com
base no mês do seu nascimento, igual aos signos. Assim teríamos um santo para quem
nasceu em janeiro, outro para as de fevereiro, e assim por diante, eles seriam multifuncionais,
a pessoa poderia pedir tudo para o seu santo, como casar, dinheiro, saúde,
etc...
-Em relação ao Alcorão verifica-se que
ele tem 114 capítulos e 6.600 versículos. Se fosse novela era até pequena, mas
para conquistar novos mercados é muito grande, não ajuda muito, assim acredito
que se deva cortar uns 50 capítulos e 70% dos versículos, só ficando aqueles
que contam com mais apelo emocional. Finalmente, os cinco
livros da Torah seria condensado em apenas um.
- Após a edição dos diversos trechos do
novo livro sagrado, continuou acelerado, ele seria reescrito numa linguagem
mais moderna de forma que todos entendam o que está lendo, semelhante aos
textos dos livros de autoajuda o que, devo confessar, é um risco, pois alguns
acham que o sucesso e a força das religiões reside no fato de ninguém entender
o que está lendo, ficando com temor de contrariar o que não compreende, mas
“que é muito forte”, segundo os guias espirituais.
- Os fiéis da The Religion não
precisaram necessariamente se deslocar para os Templos para praticar o culto
religioso, poderá fazê-lo em casa, na praia ou no ônibus através do seu
smartphone. Criamos um aplicativo gratuito chamado Religion in House, que o
fiel poderá baixar nas lojas da The Religion. Através de algoritmo e do sistema
matricial desenvolvido, o APP permitirá que se customize o perfil da cerimônia
religiosa, selecionado aquela que mais vá ao encontro das suas necessidades
terrenas, não perdendo tempo com rituais ou textos que considera desimportante,
além do programa permitir que a cerimônia tenha, a critério do usuário, maior
pegada muçulmana, católica ou judaica. O fiel também terá a disposição um APP premium
pago, que possibilitará que solicite até três milagres e faça bar mitzvah e casamento
religioso on line e, com isso, economizará o dinheiro gasto nestas cerimônias.
- Devido à criação dos Templos virtuais,
alguns físicos ficarão ociosos e serão desativados, por isso será necessário se
reduzir o quadro de pessoal qualificado, estando previsto a realização de um PDV- Plano de Demissão Voluntáia o que significa que
aproximadamente 30% dos guias espirituais serão dispensados, bem como 50% do
pessoal da área administrativa e financeira devido à unificação da gestão operacional
das três religiões.
- Na nova religião não haveria padres,
rabinos e mufti, e sim CEOs Espirituais constituídos pelos antigos Guias das
três religiões, que deverão fazer curso de reciclagem empresarial para se
adequarem ao novo cenário espiritual e formato do produto.
Não sei como acabou a estória, pedi
para me retirar, estava exausto após secretariar dois dias de intensos e
acalorados debates, somado ao impacto, ou abalo não sei ao certo, emocional
após ouvir a exótica proposta do coach. Pode ser que a ideia vingue e surja uma
nova religião unindo as antigas com o surreal nome de The Religion, tudo é
possível, afinal quem diria que o avião do Eduardo iria cair e a Marina entrar no
páreo e decolar.