quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

A Namorada Transreligiosa


Raquel era uma mãe judia. Para quem não sabe o que é uma mãe judia, imagina o zelo de uma mãe normal de qualquer país e multiplique por três, se a mãe judia tiver um único filho, multiplique por quatro, se ficou viúva, era o caso, e não tem mais ninguém para cuidar, o fato multiplicador sobe para cinco. .

Raquel teve um único filho, Yancale, cuidou dele sozinha desde que Sholeime, seu marido, morreu quando o filho tinha apenas 10 anos, trabalhou duro para não faltar nada para seu ingale, as vezes a jornada chegava a 12 horas vendendo joias.Olhando para trás viu que o esforço tinha sido compensado, conseguiu pagar  boas escolas para ele estudar, ele se formou em medicina pelo Fundão, fez mestrado na França e doutorado na Alemanha, sempre foi um dos melhores da turma. Era um afamado cardiologista, seu consultório estava sempre lotado, vivia dando entrevistas. 

Ele, não deixava faltar nada para ela, pagava as contas de casa, bancava suas férias e ligava duas vezes por dia para saber como estava passando. Raquel não cabia em si de tanto orgulho, quando encontrava com as amigas no clube só falava do Yancale, as outras mães morriam de inveja, ele era considerado filho hors-concours.

A única coisa que incomodava Raquel é ele não estar casado, afinal já estava com 38 anos e nas suas contas devia ter feito isso há dez anos e já ter dois filhos, na verdade, ela dois netos, considerava os netos uma espécie de contrapartida para suportar a dor de ver seu  filhinho sair de casa. 

Finalmente o tão esperado dia aconteceu, como fazia sempre Yancale convidou-a para almoçar domingo, só que desta vez disse que iria lhe apresentar a namorada por quem estava apaixonado, o que deixou Raquel sem dormir até o dia do encontro. 

No dia combinado pegou-a em casa e foram almoçar no Copacabana Palace, mas chegou desacompanhado, disse que a namorada estava hospedada no hotel, era executiva de uma empresa francesa e morava em São Paulo. Raquel se encheu de orgulho com o perfil da namorada, na sua avaliação a moça que estava quase a altura de namorar seu filho, tirou um bilhete premiado.

Quando a namorada chegou Raquel ficou impressionada, ela era  alta, bonita, usava uma saia curta, blusa decotada, estava bem pintada, por onde passou chamou a atenção dos garçons e das pessoas que estavam almoçando.  

A conversa ocorria em clima amistoso, o prato principal de Raquel era as inúmeras qualidades de Yancale, quando chegou à sobremesa já tratava a namorada como nora e mãe dos seus futuros netos – ela já via os dois casados. Foi quando Yancale disse que tinha uma confissão a fazer, na verdade duas, na certidão de nascimento da sua namorada constava sexo masculino, mas ela nunca se considerou como tal, então há quatro anos foi para a Tailândia e fez uma operação de mudança de sexo, o seu nome original não era Cristina e sim Joaquim Nonato da Silva. A outra confissão é que ela não era judia e sim evangélica.

Depois de ficar um tempo pensativa assimilando tudo que acabara de ouvir, Raquel falou em tom pesaroso: Yancale, eu sempre me matei de trabalhar para não faltar nada para você, não me arrependo, é o meu orgulho, o melhor filho do mundo, então porque faz isso com a sua mãe, precisava eu chegar nessa idade para ter que ouvir isso? Respirou fundo e disse fitando Yancale nos olhos: me recuso ver você casar com o Joaquim ou Cristina, não sei o que essa pessoa é, mas se ela não se converter ao judaísmo não vou ao casamento, rompo relações. 

Ao notar o olhar de reprovação de Cristina, Yancale falou com a mãe que seria impossível, como uma pessoa iria abrir mão de suas convicções espirituais e mudar de religião de uma ora para outra, disse. Raquel não se deu por vencida, falou que os evangélicos têm um pé no velho testamento e que era mais fácil mudar de religião do que de sexo, pois não necessitava de anestesia geral, era indolor e não precisava ir para a Tailândia, no Rio de Janeiro mesmo dava para mudar de credo.

Ao ver a mãe irredutível disse que ia conversar a respeito com a namorada e que no dia seguinte dava uma resposta. E quanto ao fato dela ser trans, algum problema? 

Deixa de ser toit, nenhum problema, veja o meu caso, eu sempre comprei carne kasher, mas depois que o açougue do Seu Saul fechou há sete anos passei a comprar no supermercado, assim por falta de alternativas fui obrigada a comer carne não kasher. A tua situação é melhor que a minha, ela vai deixar de ser gói e vai virar judia com o nome Sara, mais kasher que isso, impossível. Depois vi desde o começo que ela é uma boa moça, é culta, me falou que sabe cozinhar, isso para mim é o que mais importa, me dá a certeza que depois que morrer ela vai saber cuidar de você, até lá continuo por perto.  

Ah, ia esquecendo do principal, como a Sara não vai poder gerar filhos, eu me sacrifico por vocês, posso ser a barriga de aluguel do meu ingale, assim quando os meu neto nascer serei também mãe, e nada melhor para ele do que uma mãe judia. 






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